Dom Tomás Balduíno


Compartilhamos este texto que Pedro escreveu nos 90 anos de Tomás Balduíno, na memória do 7° ano de sua Páscoa.

Bispo pé no chão e universal

Eu e toda a Prelazia de São Félix do Araguaia temos uma imensa dívida de gratidão para com Dom Tomás. E tudo o que eu poderia dizer desse irmão-padrinho-companheiro da caminhada seria pouco. Mas tem um acréscimo: a dívida de gratidão de nossa Igreja do Araguaia é dívida também de outras Igrejas do Brasil, da Nossa América, da Europa, do Mundo, porque Dom Tomás tem sido e é efetivamente “um bispo comprometido com a missão colegiada e universal do episcopado ao serviço de uma Igreja comprometida com o Reino”.

Dom Tomás e sua Igreja de Goiás têm sido uma resposta a muitas inquietudes e esperanças, uma constatação de que “outra Igreja é possível”. O Vaticano II, Medellín, a Igreja dos Pobres, a Igreja da Libertação, a Igreja das CEBs, uma Igreja inculturada e comprometida com a Nossa América, são história vivida nesse recanto do Goiás, a Diocese de Goiás.

A Igreja de Dom Tomás veio a ser uma plataforma de experiência pastoral de fronteira na Igreja e na sociedade: de diálogo ecumênico e macroecumênico; de valorização da cultura e da religiosidade popular; de inserção da vida religiosa e monástica nas lutas e esperanças do povo; de superação da dicotomia que não sabe juntar a vida com a fé, as pastorais com a militância organizada.

A pastoral dessa Igreja foi vivida de um modo integral, como aquela “Pastoral de Conjunto” tão sonhada e tão precariamente realizada nas diferentes dioceses. A hierarquia, o clero, a vida religiosa, o laicato não eram setores estanques que repartiam parcelas de pastoral. Aliás, o laicato (e mui significativamente a mulher), adulto na fé e com intenso trabalho de formação, era corresponsável, partilhando de igual para igual a resposta que pediam os vários sinais dos tempos, naquela hora, naquele lugar. Não se entendia que a maior parte do Povo de Deus, que é o laicato, não tivesse poder eclesial de programação, de decisão, de iniciativa, de autonomia compartilhada. Por exemplo, não era só o padre quem celebrava, pois é a comunidade toda que celebra.

Em todos os campos das reivindicações sociais Dom Tomás está presente e eficiente, mas cabe destacar sua ação pioneira na causa indígena, com o CIMI, e, na mobilização camponesa, com a CPT. Cabe também sublinhar sua capacidade de articulação na CNBB e com irmãos de outros episcopados e outras Igrejas. Duran te e depois da ditadura militar as asas do seu aviãozinho e do seu coração solidário se vêm prontificando para estar, para falar, para denunciar, para incentivar. De sua mocidade missionária dominicana em Conceição do Araguaia até seus maduros 90 anos exerce o ministério profético de anunciar, de denunciar, de confortar, sem exibicionismos protagonistas, com disposição pontual, com realismo e utopia, incapaz de claudicar, superando, com sóbrias atitudes de sabedoria matuta e evangélica, os contratempos e as incompreensões. Por sensibilidade de equipe e de comunitariedade, ele consulta, se assessora, e tem valorizado e promovido boas assessorias eclesiásticas e políticas. Como bom dominicano, gosta de estar em dia com a teologia avançada e com as análises de conjuntura.

São 90 anos, muitos dias, muitos caminhos, com falhas humanas, reconhecidas por ele, mas buscando sempre o espaço do Reino, o apelo do Povo, um possível gesto de solidariedade e de profecia. Ele tem uma personalidade inclaudicável. Em continuidade perseverante, com a letra miúda e o traço teimoso aprendido já na família e por esses sertões e veredas da libertação.

Tomás, padrinho, irmão, companheiro, obrigado. Você nos “entrega” (o “tradere” dominicano) uma herança riquíssima de práxis eclesial, de fidelidade ao Reino hoje, aqui, de testemunho selado até mesmo com sangue mártir. Você se lembra muito bem daquela índia Bororo que nos persignou com urucum (“in sangui ne”, você sussurrava) no memorável ritual do segundo enterro do mártir Rodolfo.

Você tem se encontrado com muitas pessoas e muitos povos, e agora celebramos seus 90 anos de Romaria. E seguiremos nos encontrando, em comunhão de luta e de esperança, até o Encontro Total.

Pedro Casaldáliga, para o livro: Solidário Mestre da Vida, Ed. Paulinas.

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"Chamados pela luz da Tua memória, marchamos para o Reino fazendo História, fraterna e subversiva Eucaristia."

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