Em tempos de destruição capitalista, há um acalanto comunitário na alma…

Por Sandra Procópio

Ao final do caminho me dirão:
E tú? Viveste? Amaste?
E eu, sem dizer nada,
abrirei o coração cheio de nomes.

Pedro Casaldáliga

Escrever sobre o I Encontro da Fraternidade dos Mártires, é re-memorar que somos todas e todos, entrelaçados pela tradição dos cristãos das comunidades cristãs primitivas, cujas ações de Jesus, há dois mil anos, seguem sendo ameaça à ordem vigente, e ao mesmo tempo, profundo ensinamento da vida na energia do amor!

Herdeiras/os da Teologia da Libertação, do sentimento e da certeza de que Deus nos deu um mundo belíssimo, e que hoje já sabemos que há vários universos, formando assim o multiverso, quer que tenhamos Vida com abundância de alegria, felicidade, justa distribuição dos bens, sem desigualdades, violência, xenofobia, dominação, de nenhuma forma, seja pelo gênero, etnia, religião, lugar.

Neste sentido, nosso encontro de pessoas constitui-se em um acalanto na alma. Acalanto vem de calor, significa aconchegar ao peito, embalar, confortar. Bem isso mesmo que pudemos vivenciar em meio à um momento da história da sociedade brasileira, e mundial,  em que vimos sinais de destruição em todas as partes. Estamos diante de uma encruzilhada histórica. Os destinos que tomaremos, como humanidade, vão incidir profundamente nas próximas gerações.

Tempos de ter coragem, de buscar a conexão com nossas ancestralidades, que nos permitiu chegar até aqui e agora. Ao mesmo tempo, buscar em nossos antepassados, as forças e as lições para reescrever o tempo presente.

Tempos que precisam de novos tempos. Tempos de despir-nos das heranças da histórica colonização que tenta castrar nossos corpos para serem dóceis e submissos ao sistema do capital, numa sociedade marcada pelas imensas desigualdades sociais. Tempos que nos levam a pensar sobre o modo patriarcal presente nas nossas vidas, que aprisiona nossas almas dentro de corpos que desde ao nascer estão numa posição de subalternidade. Tempos que inspiram um arrancar de nossos corpos e corações, a velha noção (entranhada em nós), de inferioridade racial e étnica, que nos fizeram acreditar que realmente as pessoas tem valor pela cor da pele, pelos traços étnicos. Tempos de pensar sobre a forma que pensamos em que, inclusive a nossa matriz de pensamento vem de uma herança que dividiu o mundo entre bons e maus, feios e bonitos, ricos e pobres, bons ou maus, perfeitos ou defeituosos.

Foi neste contexto que pudemos vivenciar as celebrações, as místicas, as vivências com toda beleza e ternura do nosso I Encontro da Fraternidade dos Mártires. Na acolhida aos participantes, pelo Mirim e toda Equipe que preparou o Mosteiro da Anunciação para o carinhoso Encontro, rosas vermelhas de boas-vindas foram entregues para cada alma que habitou naquela noite aquele lugar.

Desde a chegada, com as terras trazidas dos mais distantes lugares do Brasil, fizemos em mutirão uma mandala das terras, em espiral, com terras em várias cores, enfeitada por sementes, que foi um símbolo do nosso centro de força espiritual e mística durante nosso Encontro. Foi sobre ela que fizemos memória do sangue de nossos mártires, que invocamos o Espírito Santo, os Encantados e as forças espirituais de todos os povos presentes.

Ainda, nossa Espiritualidade poetizada, esteve desenhada em traços dos bordados pelas mãos de mulheres do grupo “Linhas do Horizonte”, que desenharam suavemente símbolos de resistência, como a luta dos povos tradicionais contra a mineração, dos atingidos pelas barragens, a luta política pela justiça e contra a ditadura,  por exemplo.

As celebrações também fizeram memória da nossa América Latina, regada do sangue de tantas e tantos mártires, enraizada e embebida das tradições indígenas e africanas, onde misturaram-se as histórias e a memória como ponte entre o passado e o futuro, entre o velho e a esperança do Novo que renasce como semente! A memória e o canto à São Sepé Tiaraju, como resistência latino americana, acalentou nossos ouvidos e corações.

Momento importante foi a memória que Jesus, ao repetir costume das comunidades dos essênios, que praticava os princípios da humildade, da brandura e da tolerância. Como sinal da humildade, do serviço ao próximo, delicadamente, repetimos o ritual do lava-pés.

Na celebração final, ecoou em nossos ouvidos os ensinamentos da Vanildes, a partir da pergunta “Qual a maior, mais importante, e essencial recomendação de Jesus?” A resposta é “Amai-vos uns aos Outros”.

Fomos abençoados na ida para casa pela Dona Zenilda Xukuru, do Povo Indígena Xukuru de Ororubá, de Pesqueira, Pernambuco. A espiritualidade deste Povo Indígena, com seus seres Encantados, esteve presente em todos nossos rituais, nos conduzindo para a certeza da vitória da Esperança, com um mantra que nos acompanhará pelos nossos caminhos, esparramados como um rio de luz, por todo o Brasil, “Viva a Esperança”!

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"Chamados pela luz da Tua memória, marchamos para o Reino fazendo História, fraterna e subversiva Eucaristia."

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