Que a luta pela vida supere a violência da morte: Viva a esperança!

Por Edimilson Rodrigues de Souza, Antropólogo

Procissão de oprimidos, rezando lutas,
e Tu, Círio de Páscoa, flor de aleluias.
Libertador vencido, vencendo tudo,
companheiro dos pobres, donos do mundo.
Guerrilheiro do Reino, maior guerrilha,
Tua cruz empunhamos em prol da vida.
Nossos mortos retornam, com nossos passos,
em teu Corpo vivente ressuscitados.

Pedro Casaldáliga (Trechos de Trovas ao Cristo Libertador)

Em 2019 fui convidado pelo Padre Laudimiro de Jesus Borges, o Mirim, religioso da ordem dos Estigmatinos, para participar do I Encontro da Irmandade dos Mártires da Caminhada, realizado na Cidade de Goiás-GO, entre os dias 05 e 07 de julho.

 A Irmandade dos Mártires da Caminhada é formada por um grupo de pessoas que querem “manter vida a memória dos mártires, suas causas e as lutas pela vida, justiça e dignidade”, nas palavras do Mirim. É formada por pessoas de todas as regiões no Brasil, além de alguns países da América Latina e Europa. A atuação está concentrada na luta por direitos coletivos, no interior de pastorais e movimentos sociais ligados a Setores Progressistas da Igreja Católica Romana, às Teologias da Libertação e da Inculturação.

Estas duas propostas teológicas, expressas em pastorais sociais como a Comissão Pastoral da Terra, Conselho Indigenista Missionário, Comissão Justiça e Paz, são formadas por equipes mistas de religiosos e leigos, com projetos de atuação estruturados a partir da criação de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e Movimento de Educação de Base (MEB).

Os agentes desses movimentos pastorais atuam entre populações marginalizadas socialmente e vítimas de violência e violação de direitos humanos básicos como formadores de lideranças, mediadores de conflitos e da relação com o Estado e na formulação de denúncia públicas nacionais e internacionais.

Indígenas, camponeses, quilombolas e demais populações tradicionais na América Latina têm vivenciado inúmeros episódios de violência e violação de direitos humanos básicos desde o período da colonização europeia, século XVI. As condições de sujeição destes grupos foram marcadas por espoliação, escravidão e mortes provocadas por oligarquias, elites políticas, grandes corporações de extração de minério e madeira, compactuados com os agentes dos Estados Nacionais deste continente. Dos episódios de violência e violação emergem formas de resistência popular. Atos públicos, caminhadas, denúncias junto a organizações internacionais de proteção à pessoa humana, por exemplo.

 O I Encontro da Irmandade dos Mártires da Caminhada, realizado na Cidade de Goiás-GO foi, nesta direção, um espaço organizado para socializar condições de violência e vulnerabilidade humana, em áreas de intenso conflito de terra e uso de recursos naturais na América Latina. Alguns dos participantes deste encontro, com os quais conversei mais diretamente, reforçaram que os dispositivos de motivação no interior das pastorais e movimentos sociais nos quais eles participam são a “busca para manter vida a memória daqueles e daquelas que tombaram, i.e., foram assassinados, lutando por justiça e por vida digna para os mais pobres e sofridos”.

Os organizadores deste encontro reforçaram que o objetivo da irmandade é que a causa desses líderes assassinados e transformados em mártires-encantados não seja esquecida, mas que a memórias deles dê continuidade às lutas por eles lideradas, para que todos possam ter casa, comida, terra e trabalho.

O encontro reuniu aproximadamente 100 pessoas, oriundas de Pernambuco, Tocantins, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso, Distrito Federal, Acre, Maranhão, Bahia, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, além de uma pessoa vinda da Alemanha.

Assim como nas Romarias da Terra, Água, Floresta e dos Mártires que acontecem em diversas regiões do Brasil, o local do encontro da Irmandade do Mártires foi ornamentado com flâmulas decoradas com imagens de alguns mártires.

As trajetórias destes mártires-encantados foram marcadas por situações de violências, expropriações, sujeições e mortes, que ganharam forma e força de resistência no encontro com agentes mediadores, religiosos ou não. É desses encontros que emergem lideranças importantes, assassinadas em decorrência de suas lutas por terra, água, floresta e direitos coletivos.

No encontro da Irmandade dos Mártires, as histórias dessas lideranças ganham tônus de poesia ao serem expressas como denúncia, seja através de narrativas orais (cantos, mantras, orações, preces, promessas) ou visuais (pinturas, flâmulas, esculturas, objetos, amuletos), e novas formas e estratégias de resistência e continuidade nas lutas pela terra, água e floresta.

A mística inicial foi realizada na primeira noite do encontro, quando cada participante, que foi anteriormente convidado a trazer um punhado de terra dos locais de origem, utilizou estas terras para preencher uma mandala, anteriormente desenhada no centro do local onde se realizaram as rodas de conversa. Ao final do encontro, na tarde do dia 07 de julho, as terras que preenchiam a mandala foram misturadas e distribuída como terra única, para que cada participante pudesse levar para casa, como um objeto de lembrança do encontro. Ao final do encontro da irmandade dos Mártires foi lida uma carta, elaborada na noite anterior, por uma das equipes de organização.

Rodolfo Lunkenbein, Xicão Xukuru e Simão Bororo (mártires da terra indígena), Josimo Morais (mártir dos lavradores do Bico do Papagaio), Chico Mendes (mártir da floresta), Francisco Jentel (mártir do povo do Araguaia), Margarida Alves (mártir das mulheres lavradoras), Marçal Tupã’I e Sepé Tiaraju (mártires da causa indígena), Antônio Conselheiro (mártir do povo sertanejo), Dorothy Stang (mártir dos povos da floresta), João Bosco (mártir da luta contra a tortura e da reforma agrária), Gringo (mártir do sindicalismo), Marielle Franco, José Cláudio e Maria do Espírito Santo, Virgílio Sacramento e Frei Tito. Seus nomes e suas imagens foram lembrados neste encontro, entoados como hinos de guerra e reforçando a resistência.

Ao falar do martírio, os membros da Irmandade dos Mártires da Caminhada narram a luta pela terra, pela vida que foi capitaneada por aquelas lideranças violentamente assassinadas e martirizadas, reunindo pessoas, encorajando, empoderando, dando formação sobre direitos fundamentais e direito à vida.

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"Chamados pela luz da Tua memória, marchamos para o Reino fazendo História, fraterna e subversiva Eucaristia."

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